Maus - Art Spiegelman

 

Real. Cruel. Visceral. Brutal. É assim que começo minha série de posts sobre HQs que leio no metrô.

Antes de mais nada, contextualizando: quis começar a escrever resenhas das histórias em quadrinhos e graphic novels que leio, por basicamente três motivos:

  1. Ler mais. Me incentivar ainda mais neste meu hobby, que muitas vezes é desvalorizado pelas pessoas;
  2. Colocar minha habilidade de escrita em dia. Houve muitas épocas da minha vida em que gostei de escrever. E sinto que esse é um bom momento de voltar a pôr essa “habilidade” em prática;
  3. Pesquisar, encontrar e indicar bons títulos, na minha humilde opinião.

E por muitas semanas depois que decidi escrever, fiquei me perguntando por onde começar, ou qual deveria ser o post inicial. Nessa época, não imaginava que seria Maus. Até porque, eu nem havia lido ainda. Tenho ele comigo já faz anos, e tentei ler uma vez só. Não devia estar numa época boa, pois larguei a leitura bem no começo. Não julgo o Roberto de anos atrás. O Roberto de hoje também cogitou parar algumas vezes.

Leio majoritariamente no metrô, às 8h da manhã e depois das 18h/19h. E essa obra é baseada em uma história real. E acompanhando as recentes notícias do conflito em Gaza, faz ela parecer contemporânea demais para se ler e não sentir vontade de parar a cada quadro com cenas que nem na ficção, elas seriam facilmente digeridas. Alguns paralelos são assustadores demais para serem coincidência.

Esta resenha aborda temas centrais de Maus, incluindo aspectos do enredo e da estrutura narrativa. Não contém revelações decisivas, mas pode ser considerada sensível para leitores que preferem descobrir tudo por conta própria. 

Temos então dois momentos, o primeiro sendo no “presente”, onde o autor Art Spiegelman interage com seu pai, Vladek Spiegelman, um judeu sobrevivente do Holocausto e da Segunda Guerra Mundial. No “momento” presente, Artie visita seu pai constantemente para entrevistá-lo. Vladek já está morando nos Estados Unidos com sua nova companheira, também sobrevivente do Holocausto. Muitas de suas manias e doenças de hoje, são originárias dos momentos que viveu quando mais jovem. Hoje, ele é avarento, controlador e expressa atitudes racistas. Mesmo com os esforços do autor para desconstruir os preconceitos do pai, Vladek mantém suas posturas controversas, marcadas por traumas e generalizações. Em muitas ocasiões, o pai pede ajuda ao filho para resolver problemas em casa, mesmo com sua idade avançada. Já Art o recomenda contratar alguém para pequenas tarefas domésticas. Vladek sempre recusa, por se recusar a gastar dinheiro.

O autor intercala esses momentos de paz que visita o pai e sua nova companheira, Mala, com a história de vida de Vladek. Desde quando ele conhece Anja (lê-se “Ania”), sua primeira esposa, e seu grande amor na vida. Até seus piores momentos com a guerra, a perseguição, o medo do Holocausto, e sua ida para Auschwitz.

Aqui, o autor utiliza o recurso de alegorias para evidenciar ainda mais as diferenças que eram impostas pelo regime nazista: a representação dos personagens como animais. O nome da obra é Maus, que significa ratos em alemão. Esse era o animal que representava os judeus na história. Era assim que os nazistas encaravam os judeus: pragas ou roedores. Faziam assim para desumanizá-los ainda mais. Os nazistas eram representados pelos gatos, predadores naturais dos ratos. Assim representando a brutalidade, terror sistemático, e a perseguição aos judeus. Os poloneses não judeus, eram desenhados como porcos. Segundo o autor, não é uma questão pejorativa, e sim uma decisão simbólica. Em muitas passagens, os Poloneses se portavam de maneira indiferente ou inseguros, e até mesmo cúmplices, quanto a ocupação nazista. Os americanos eram representados como cães, inimigos naturais dos “gatos”, assim sugerindo a vitória dos aliados sobre o eixo.

A narrativa se desenrola pela vida de Vladek: indo para a guerra em 1939 como soldado polonês, quando a Alemanha invadiu a Polônia, e vendo de perto o horror do combate. Em certo momento, o seu oficial superior percebe que sua arma está "fria", e isso quer dizer que não está atirando. Começa então a atirar a esmo, só para não ser novamente repreendido. Mais tarde quando é preso, e a arma "quente" denuncia que ele havia combatido. Quando consegue voltar para casa, começa a ter que se esconder e fugir. Passa por inúmeras decisões difíceis, principalmente por conta de seu filho pequeno, Richieu.


Sem entregar muito da história e das reviravoltas, Vladek sempre se mostra alguém inventivo, criativo e persuasivo. Mesmo com a perseguição, utiliza seus recursos financeiros, e também seus contatos para se livrar da perseguição, ou melhor, “sobreviver mais um dia”. Ele e sua esposa vivem de esconderijo em esconderijo, sempre com medo de sua presença ser notada ou denunciada. Em muitos momentos, Vladek diz que se disfarçava para não ser notado como um judeu. No desenho, essa fala era representada com ele usando uma máscara de gato.

Não é uma história fácil de encarar. Como já disse, foi difícil digerir. Em alguns momentos (principalmente pela manhã), eu fechava o livro, respirava fundo, olhava em volta. Esperava umas duas estações para encarar novamente. Apesar de não ser fácil, é uma história rica em detalhes históricos e da nossa sociedade. 

Sem sombra de dúvida, o ponto alto da história é o tempo que Vladek passa em Auschwitz. Para quem apenas estudou esse período nas aulas de história, muito provavelmente não conseguiu absorver o tamanho da crueldade feita naquela época. Algumas das maiores táticas para desumanização foram aplicadas: número ao invés de nomes e roupas iguais. Roupas que nem sempre serviam. Eles estavam em condições subumanas, fracos, sem perspectiva e frequentemente ameaçados pela morte.

Esse ponto da história é tão pesado e forte, que dentro da história, o próprio autor se desenha e diz estar sem ideia de como será essa parte da história. É algo que é muito bem descrito por Vladek. A imposição da fome e do medo da morte, é o que mantinha todos subjugados à crueldade nazista.

Em um trecho, Vladek precisa visitar um certo lugar de Auschwitz, e um dos trabalhadores de lá começa a descrever o que acontece lá, e como o lugar é “limpo”. Vladek pede para que ele não continue, o que não deixa de ser algo que eu mesmo pensei na hora: “está bom de detalhes, melhor pararmos por aqui…”. Claro, o rapaz acrescenta ainda mais a fala de detalhes do que ele passou trabalhando na ala dos crematórios. A história segue até sua libertação, com a chegada dos Aliados. Sempre sendo marcada e pontuada pelo constante medo da morte.

No final, não é uma história fácil de acompanhar. E nem deveria. Ela narra acontecimentos de uma das nossas piores fases da humanidade. A desumanização de todo um povo. Guerra, fome e morte. Maus é uma Graphic Novel rica em conteúdo histórico, retrata a visão em primeira pessoa de alguém que passou por toda a Segunda Guerra Mundial. Começou como dono de uma fábrica, com família grande, para um sobrevivente. Sobrevivente esse que traz consigo traumas, dores e saudades de entes que ficaram para trás. Histórias que marcaram a vida dele e de outros. Ele, e todos os outros, não são só um número, uma estatística. Cada um deles é uma história, um ser humano, uma pessoa que viveu, sofreu e morreu porque alguém decidiu que eles não eram tão “humanos” quanto eles. Uma fase da humanidade que deveria servir como mau exemplo do que deve ser feito. Um momento que jamais deve ser esquecido, mas lembrado como advertência para que nunca mais se repita..

Não à toa, ganhou o prêmio Pulitzer em 1992 - um feito histórico. Sendo a primeira graphic novel a receber esse prêmio. Pela originalidade e profundidade da obra, retratando um tema tão sensível e com uma linguagem tão inovadora. O prêmio Pulitzer é uma das mais importantes premiações, que reconhece a importância de obras/matérias nos quesitos Jornalismo, Literatura e Música. Foi criado em 1917 por Joseph Pulitzer, um influente jornalista e editor húngaro-americano. (https://www.pulitzer.org/).  

Fica minha dica final: apesar da dificuldade de se passar por certas páginas, leiam “Maus”, de Art Spiegelman.

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Se quiser, deixe um comentário com a sua opinião ou sugestão para uma próxima resenha.  

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